Sunday, February 25, 2007

SEBASTIÃO EDSON MACEDO




mencionado por:Izabela Leal
Luis Maffei
Leonardo Gandolfi

menciona a:ranieri ribas
ricardo pinto de sousa
virginia b.
daniela serruya kohn
aderaldo luciano





(3 Poemas de para apascentar o tamanho do mundo, Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2006.)


PÓRTICO

uma parte de ti eu reconheço porque se repete
duas ou três cadeiras para a mesma janela
um ou outro degrau de diferença
na medida em que corres à prosa

mesmo assim tu insistes em te sentar diante do sol
da água da flor da pedra
insistes em dar uma cor ao momento como se
bastasse a cadência
bastasse de ti apenas a temperança
o ouro

eu te pergunto se é esse o laurel
e se tocas sempre assim aquilo que repartes em sílabas
e pássaro

porque outra parte de ti eu não posso supor pela ponta
nem alcançar através do silêncio
posto que não há silêncio quando tu abres o caderno
e arrastas as cadeiras
na tua glosa escusa
escusa







queria o tempo
esmiuçar-me dentro da cor muito piscina dos teus olhos
num mergulho de estar afoito inteiriço
moreno de pertencer às madeiras apaziguadas pela família
esvoaçado ao meio
entre elétrico e solar
entre urgente e eterno
quase qualquer peixe de centelha e avelã
respirando tuas astrologias silenciosas pela tarde dentro
a baía embaralhada nos vidros do coração que prossegue
que pressente o aterro desmaiando para dentro do táxi
enquanto cresce em mim a terra barroca a curva branca
de uma velocidade sem palavras para telefonar imediatamente

queria o macio
minuciosamente abrir as reticências uma a uma
daquelas criaturas anunciadas por baixo do perfume
guardado junto ao nome volumoso do algodão
sem importar qual é o caminho caligráfico a que levam os pássaros
se hidrossolúveis
se arredios depois
se mais confusos ainda o súbito no certo
a sílaba carminácea no filamento de mel
o sossego em torno da romã



depois das amendoeiras exauſtas
nascem pedidos de amarelo na terra

tu irás em pequenos bandos
atender ao que aponta o meu olhar

irás derradeira notícia de que há uma canção
nessa álgebra luz com sua clava necessária

é o vento moço que enche nossa boca de presságios?

as amendoeiras começam onde pousam rondas
o teu olvido tão chamado às minhas iluminuras

a terra contenta a nossa quimera
num exato rebento das folhas pelo chão





1 bio/biblio
nasci em floriano, interior do piauí, em 1974. acabei de publicar, pela oficina raquel, a recolha de poemas “para apascentar o tamanho do mundo”, e estou contente com isso.



1 poética

eu não tenho poética, tenho poemas.

Tuesday, February 20, 2007

RUY PROENÇA



mencionado por:
Annita Costa Malufe
Donezete Galvão
Kleber Mantovani
Tarso de Melo
Luíza Mendes Furia

menciona a:Carlos Loria
Priscila Figueiredo
Fabio Weintraub
Carlos Machado
Ronald Polito
Ricardo Rizzo
Paulo Ferraz
Luiz Gonzaga
Rubens Rodrigues Torres Filho
Francisco Alvim
Donizete Galvão
Eucanaã Ferraz
Paulo Henriques Britto
Heitor Ferraz



3 poemas



A INVISÍVEL CICATRIZ




nascer
é ser novinho em folha
e já deixar cicatriz

viver
é cobrir os outros
de cicatrizes
e ser coberto

mas nem tudo
são cicatrizes

algumas incisões
definitivamente
não se fecham

por isso
aliás
morremos


PARA SIMONE WEIL E JOAN BROSSA

Chegar
ao mundo
é fácil:

dia e noite
há portas
abertas.

Dura
porém
é a volta.

Requer
boa dose
de coragem

e muita
prática
em despojar-se.


TIRANIAS


Antigamente
diziam: cuidado,
as paredes têm ouvidos.

Então,
falávamos baixo,
nos policiávamos.

Hoje
as coisas mudaram:
os ouvidos têm paredes.

De nada
adianta
gritar.




BIOGRAFIA
Ruy Proença: São Paulo, SP, 9/1/1957. Publicou: Pequenos Séculos, Klaxon, 1985; A lua investirá com seus chifres, Giordano, 1996; Como um dia come o outro, Nankin, 1999. Participou das antologias: Anthologie de la poésie brésilienne, Chandeigne, França, 1998; Pindorama: 30 poetas de Brasil, Revista Tsé-tsé, nºs 7/8, Argentina, 2000; Poesia brasileira do século XX – dos modernistas à actualidade, Antígona, Portugal, 2002; New Brazilian and American Poetry, Revista Rattapallax, nº 9, EUA, 2003. Seus trabalhos mais recentes foram publicados, entre outras, nas revistas Cacto nº 4 e Jandira nº 2.





POÉTICA

Uma poesia que esqueça em Marte o engenho e arte e, de regresso, pouse os pés no chão do coração. Que habite a rua e dela recolha o seu cantar. Penso em Charles Simic, um dia apresentado por Fabio Weintraub e Ricardo Rizzo. Simic que diz: “FEIRA// Se você não viu o cachorro de seis patas,/ sem problema./ Nós vimos e ele se deita num canto a maior parte do tempo./ Quanto às pernas a mais,// Rápido a gente se acostuma a elas/ E pensa em outras coisas./ Tipo, que noite fria, escura,/ para se estar numa feira.// Então o tratador atirou um graveto/ E o cachorro foi atrás dele/ Em quatro patas, as outras duas balançando atrás,/ O que fez a garota gargalhar.// Ela estava tão bêbada quanto o homem/ Que continuou beijando seu pescoço./ O cachorro pegou o graveto e nos olhou de volta./ E esse foi todo o espetáculo.” (Tradução de Fabio Weintraub, Zine qua non, nº 4.) Penso também em Chico Alvim. Uma poesia que fale da experiência comum, do outro. Não o estético pelo estético. Antes a prosa da poesia. Ainda que atrozmente lírica, como em Afinal, de Eucanaã Ferraz. O homem e a coisa no cosmos da poesia: Francis Ponge. Mas tudo não passa de um partido que escolhemos. E tudo é mutável. E a poesia se nega, nos nega. E às vezes nos escolhe.




Saturday, February 17, 2007

O BLOG NO GLOBO, ou TE EXPLICANDO PRA TE CONFUNDIR (MESTRE TOM ZÉ)






Caros Afectonautas: vou tentar explicar algumas coisas por aqui, embora desconfiando do meu portunhol. 1. Ainda nao li a matéria no Globo, mas agradeço. Agradeço mais se alguem pudesse me mandar por e-mail. Obrigado entao. 2. Nao sei se na matéria diz alguma coisa sobre isso, mas os poetas que participam aqui, sao poetas que vao sendo "mencionados" por outros... por tanto, é uma "bola de neve" que faz com que cada vez sejam mais e mais os poetas indicados... que estao esperando ainda que eu peça o material para eles... A esses poetas, só podir desculpas, paciencia, e aos poucos chegaremos ai. E para os outros: eu agradeço as colaboraçoes espontaneas, mas, pela dinamica do site, nao é, infelizmente, o material que estarei postando aqui. Pelo menos por enquanto. Obrigado e desculpas a todos novamente. 3. A menina da foto nao tem nada a ver com o blog -salvo o fato de ser uma grande amiga- mas achei legal. Para quem tiver interesse na paisagem, é o Salar de Uyuni, na Bolivia. 4. Para os que já mandaram o material e ainda estao esperando... mais desculpas. 5. Já tem "Escolhas... " no Chile também! Parabéns! Falta colocar o link, mas anticipo aqui: www.laseleccionesafectivaschile.blogspot.com - 6. Nao tem 6: só um grande abraço para todos! Semana que vem teremos mais!
a.-

Sunday, February 11, 2007

RUY VASCONCELOS



mencionado por:
Eduardo Jorge
Júlio Lira
Diego Vinhas

Menciona a:Aldir Brasil Jr.
Angela de Campos
Age de Carvalho
Júlio Castañon Guimarães
Diego Vinhas
Duda Machado
Eduardo Jorge
Francisco Alvim
Júlio Lira




3 poemas



Piano


sob o jasmineiro
em flor

um passante recolhe
uma moeda

no instante em que
o velho

com um quarto minguante
de dedos

quebra o chapéu sobre
a testa



Senão por si e mangue


não há trincos
a água está aberta
e chuva deitou-se em rio
e compassada pressa
que senão por si e mangue
se diria de tão claro
rio recolhido
em bacia de flandres

refluir calmo de arestas
leve desprumo nas divisas d’água
cracas floram carnaúbas
sob trapiche
guirlanda de visco, algo ou lodo
que senão por si e mangue
se diria de tão breve
lapso de luz sobre água














Mediterrâneo


a cor do jaspe
cintila a cada passo

a orquídea secreta
apressa-se das folhas

paro para fitar
os olhos do miúra

e a frialdade da noite
sopra vagamente

um hálito de água





Ruy Vasconcelos
Professor da Universidade de Fortaleza. Compôs canções, roteirizou e dirigiu documentários, editou algumas traduções, publicou poemas e textos diversos, por vários meios, no Brasil e exterior. Tendo morado em diferentes regiões brasileiras e na Inglaterra na década de 90, fixou-se em Fortaleza, em 2002. Optou por não reunir seus poemas em livro.


Poética
Sem dúvida dois poetas maiores do séc. XX são Robert Bresson e Carl Dreyer. E, de resto, as palavras de George Oppen: “Dificilmente a obra de poetas contemporâneos é o vetor mais importante na consolidação da obra de um poeta em formação. Quase sempre não é.” Então, resta o sabor da companhia, aroma de conversas, escolhas afetivas.



Friday, February 02, 2007

CLÁUDIO OLIVEIRA



mencionado por:Caio Meira
Claudia Roquette-Pinto


3 poemas






Amuo



A não ser pela sobriedade, não se percebe
o que se aproxima. Devagar, limítrofe, o
corpo desperta, lasso. Embriaga-se com
pesar. O olho pára, interrompido. Assiste-
se aos sons, ao tempo ausente, à eternidade do
dia.

Amiúde pressente-se - o pulso caído, o
gesto recolhido - qualquer coisa indevida:
todo lugar, distante; todo rumor, ruído.
Produz-se o intervalo, o estado inerte.
Cresce o mato, fica o pó. Vê-se que não é
nada.

E depois, sem que se resista, sem que quem
quer se debata, parte, torna à ronda; mas
deixa o cheiro de chuva caída, de telha
úmida, de terra orvalhada. Devolve tudo à
tenra tez: o ar, o senso, a sede, que se
apura, e de novo a
vida.



A tarde e eu


Por detrás do vidro do carro, vejo, nesta tarde em que chove, a tarde que esquecerei. E porque a esquecerei, esta tarde possui uma beleza diferente da de todas as outras tardes que não esquecerei. Desta tarde, nada ficará, embora a veja, agora, fugaz, diante de mim. Não posso tê-la, apenas perdê-la. É real esta tarde que esquecerei. As tardes que não esquecerei, ao contrário, são as tardes que inventei. Esta tarde que tenho diante de mim, por detrás do vidro do carro, esta tarde em que chove, não posso inventá-la. Só posso inventá-la como a tarde que esquecerei. Por isso, escrevo sobre esta tarde. Para ficar registrado esse esquecimento.
Eu mesmo, tão inventado quanto as tardes que não esquecerei, diante desta tarde que esquecerei, tão real e fugaz, sinto-me também fugaz e real. Eu mesmo sou este que esquecerei: a tarde, mas também esse (eu?) que vê a tarde e que esquecerei ter sido; este que não pude inventar, senão como aquele que esquecerei, e que esquecerei ter esquecido.



Le silence de la mort


Mais fácil esconder-se nas palavras que no silêncio,
mas inda mais fácil esconder-se no silêncio sem palavras.



Por trás do sonho, o sono.

Mais sans le rêve, pas de sommeil.
Où est le sommeil du rêve?
Sinon dans le rêve de ne pas être un rêve?
Sinon dans le rêve de n’être qu’un rêve?
Sans le rêve, quoi du Dieu?
Et pas de Dieu sinon d’après le rêve.


Por trás da mentira, a verdade.

Mais sans le mensonge, pas de vérité.
Où est la vérité du mensonge?
Sinon dans le mensonge de ne pas être un mensonge?
Sinon dans le mensonge de n’être qu’un monsonge?
Sans le mensonge, quoi de la femme?
Et pas de femme sinon d’après le mensonge.


Por trás da palavra, o silêncio.

Mais sans le mot, pas de silence.
Où est le silence du mot?
Sinon dans le mot du silence?
Sinon dans le silence du mot?
Le mot songe? Le mot ment? Le mot mort.
Mais sans le mot, quoi de la mort?
Et pas de mort sinon d’après le mot.


Le mot a son mot à dire.
Il dit mot. C’est un enigme.
C’est son dernier mot:
La mort, le mot gros de silence.






Bio/biblio
Cláudio Oliveira é Doutor em Filosofia pela UFRJ e professor do Departamento de Filosofia da UFF. Co-organizador de Clínica Psicanalítica das Psicoses ( Niterói: Eduff, 2005) e um dos autores da coletânea 10xFreud, organizada por Angela Bernardes (Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2005). Em sua trajetória se cruzam os caminhos entre filosofia, literatura e psicanálise. Considera-se um escritor bissexto, e dois de seus textos foram publicados nos sites da "revista.doc" (http://www.letras.ufrj.br/ciencialit/revista.doc.htm) e "confraria do vento"(www.confrariadovento.com).





Poética


É claro que todo mundo sabe o que é um poema, mas poesia é algo mais difícil de definir. Nâo me considero um poeta e acho até que uma denominação como essa, hoje, é meio anacrônica. Soa cafona. Acredito mais na escrita. No mundo, hoje, há muitas pessoas que escrevem. O difícil é definir a partir de que momento uma escrita passa a ser literária. Para mim, escrever é uma coisa que se faz porque é preciso. Mas para ser literatura é preciso um pouco mais. Acho que o diálogo com a tradição é fundamental. Um escritor é alguém que escreve porque foi um leitor. A literatura, para roubar uma frase de Freud, é uma modo de transmitir a peste.

Thursday, February 01, 2007

PEDRO MACIEL



mencionado por:Michel Melamed

menciona a:Carlos Ávila
Ricardo Aleixo
Antonio Cícero
Fabrício Carpinejar
Michel Melamed





* 7 poemas





ADEUS




pelo amor
de deus

se vai
ao inferno


















NARCISO




morrer deve ser

como chover

no meio do rio





















NO RIO DAS VELHAS





nadam nuas
as meninas























CEGOS




derrubam estrelas

















ONTEM




aprendi
a morrer

(sem
querer)























RIMBAUD





tombou

enfermo
no
inferno
















TUDO QUE SEI





vai acontecer ainda




















* bio/biblioPedro Maciel é autor do romance A Hora dos Náufragos, pela Editora Bertrand Brasil (2006). Mineiro com menos de meio século de idas e vindas. Não gosta de colecionar recordações ou calendários. Prefere perder o tempo da memória a ficar parado na esquina, como se estivesse em movimento. Um exemplo é sua autobiografia: "Tento uma nova maneira de contar histórias e reinauguro a minha própria existência que estava a cargo de exercícios poéticos e ensaios jornalísticos. Estava morto e não sabia. Só agora lembro que estou mais vivo do que os meus antepassados. De hoje em diante tenho todo o tempo do mundo para transcrever um sentimento para cada realidade e um pensamento para cada sonho." Eis os dados mais concretos desse escritor originalíssimo.














* poética

O TROVADOR



não tenho filosofia
diz o poeta
que faz versos sentidos

não tenho filosofia
desdiz o poeta
que faz versos sentimentais

não tenho sentimentos
desmente o poeta
que faz versos