Tuesday, November 28, 2006

CARLOS TAMM


mencionado por:
Janice Caiafa
Lu Menezes

menciona a:
(Ausentes do site)
Dora Ribeiro
Ferreira Gullar
José Almino
Lúcio Autran
Ronald Polito
Vivien Kogut




poemas:
Carne crua
Nas telhas dos dias claros
os portos de ruptura
o antes onde inteiro
escrevo e arranco
o papel da parede
e busco a camada
atrás da camada
por trás da qual
outra camada
parede toda amassada
onde o que é cru -
crua carne vermelha.

(De Osso e Vento, 1996)



Outra Família
Aquela dor sem culpa
ou sentido
imóvel, estalando
longe da vítima
ou algoz.
Fria, gelo no olho
emaranhado, aquilo
atroz – repartido
entre todos, vidro estilhaçado
de fé cega – o que sempre
já está tarde – neve
lama, luto – linha
sem chegada – urtiga
à beira da estrada, estrépito:
alma
entre nós.
(De Sob Luz Branca, 2002)

História


Era uma vez.
Havia uma voz.
Tudo era escuro.
No princípio era o Verbo.
E então.
Para sempre.
Que.
Disse o lobo.
Seu pai tinha morrido.
Eles eram pobres.
Ela era uma princesa.
O gigante.
Havia um castelo.
Floresta.
Foi deixado na floresta escura, nu e pobre.
Fez-se a luz.
Hoje está aqui.
A floresta também.

(Inédito)





bio/biblio: Carlos Tamm, carioca com raízes mineiras, tem 46 anos, é poeta e psicanalista. Mestre em Letras pela PUC-Rio com tese sobre Ana Cristina Cesar, é membro e professor da Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro. Colaborou com poemas, contos, traduções e ensaios com o Jornal Verve, revistas Poesia Sempre, O Carioca, Azougue, Trieb, Ficções, EntreClássicos e Revista Camoniana, entre outras publicações. Foi premiado nos concursos de poesia Raimundo Corrêa (1988), Jornal Verve (1989) e Stanislaw Ponte Preta, da Secretaria Municipal de Cultura (1992). Publicou os livros de poemas Osso e Vento (Ed. Sette Letras/ 1996) e Sob Luz Branca (Azougue Editorial/2002), premiado no Concurso Literário Internacional Maestrale-San Marco, na Itália (2003). Finalizou recentemente o romance Esse Rio Sem Ponte.



Poética:
Na poesia e na arte de que gosto penso que atua uma força centrípeta: lapidar para chegar ao mais bruto, como fez Paul Klee, como faz Gullar. Gosto também da idéia expressionista de receber o impacto do mundo (externo e interno) para devolvê-lo transformado – no nosso caso operando com a sintaxe - de acordo com a própria percepção.
Acho que a poesia é mais busca do que descrição de algum sentido. Esbarramos a todo momento nos limites da linguagem, como faz a Alice de Lewis Carroll. Ocasionalmente roçamos esses limites, tornando evidentes as falhas de sentido ocultas na fala comum, terra estreita para tanto mar. É o máximo que podemos alcançar: Holanda construindo diques.


EDUARDO STERZI



mencionado por:
Tarso de Melo
Leandro Sarmatz

menciona a:
(Só poetas que ainda não foram citados aqui)
Veronica Stigger (escolha mais afectiva, impossível...)
Leandro Sarmatz
Jean de Oliveira Ferreira
Age de Carvalho



poemas


Jogo

depois do primeiro chute
é fácil alguém pergunta
pra que tanta violência
aos poucos vai até
serenando como se
entranhasse a contragosto
a lâmina do sono
suja do próprio sangue
do sangue de outro
aos poucos vai até
afogando no sono
que desce pela garganta
vem dos ouvidos
só pensa
proteger os olhos
proteger a nuca
proteger a têmpora
parece que sorri
à espera do último
que não vem
à espera do próximo
é fácil é só
esquecer
que aquela é
a sua
(só) a sua cabeça




Vapor e cimento


Enquanto deslizo – serpente
metálica – ao longo do arroio,
a proa rasgando o
asfalto, temente apenas
a radares e outros
roedores,

meus olhos se despregam
do fluxo apático
e, de repente,
descobrem, ao fundo,
formações efêmeras
de algodão e
reboco, vapor e
cimento – o assim
chamado «horizonte» –
morrendo em rosa e
cinzento;

poderia ser o fim do mundo,
mas aqueles óculos
mudaram a percepção
de tudo, e ela pôde,
ao meu lado, mesmo
assustada, sorrir,
embora sua fala,
no rapto do instante,
cessasse abrupta, à espera
de alguém – tigre ou
anjo – que, munido
de ferramentas apropriadas,
nos arrancasse
do cerrado cipoal
das ferragens;

poderia ser o fim
do mundo, mas,
hóspede perpétuo
da mais ímpia
masmorra
(onde o chão
morde o teto)
do palácio
gasoso
das lembranças,
fantasio-me liberto,
preso apenas a
um que outro
relâmpago: o prego,
áspero de cimento,
cravado no pé esquerdo;
o primeiro golpe
da adaga (a vítima
sobre a pia,
ao lado de uma
privada); o lustre
de inúteis tentáculos
rebentando no ventre
da sala; tua última
palavra.

Porto Alegre, 31 dezembro 2002




Manhã carvão, manhã
carnívora:
medo
que a sombra
morda, olhos
abstratos
por sobre o ombro
esquerdo


[Os três poemas integram o livro inédito Aleijão. «Jogo» foi publicado na revista eletrônica Trópico; «Vapor e cimento», na Cacto n. 2. «Manhã carvão» é apresentado aqui pela primeira vez.]




bio/biblio

Nasci em Porto Alegre, em 1973; desde 2001, moro em São Paulo. Meu primeiro (e até hoje único) livro de poesia – Prosa – saiu em 2001. Organizei um livro de ensaios sobre Augusto de Campos, Do céu do futuro, que saiu este ano pela editora Marco. Escrevi também uma dissertação de mestrado sobre Murilo Mendes e uma tese de doutorado sobre Dante e a origem da lírica moderna.



poética

A imagem certamente não é minha (mas, como não sei de quem é, fica sendo minha): escrever poesia, hoje, me parece semelhante a arremessar dardos contra um alvo inexistente, o qual, no entanto, vai começando a existir à medida que os dardos o alcançam. O poema, então, aparece como algo paradoxal, inexistente-existente, perfurado/ferido.



Friday, November 24, 2006

CAETANO GOTARDO




mencionado por:
Marco Dutra
Angélica Freitas

menciona a:
Carlito Azevedo
Heitor Ferraz
Angélica Freitas
Marco Dutra
Lilian Aquino
Carla Kinzo
Juliana Rojas
Gilson Soares
Maria Eugênia



poemas:


Motor

Vou acabar machucando minha boca você diz
seus lábios estão ressecados pelo frio
seus dentes encontram as pontas de pele
para arrancá-las

Antes que se pense a respeito
os dentes lá estão

Mesmo que se pense a respeito
os dentes lá estão

Há pouco você evitou um outro gesto irrefletido
quando sua mão e seu fôlego
estavam prontos a acender um cigarro

Sem um maço
e sem fogo
no bolso
o gesto não se completa

e ainda que o sabor da fumaça não mais o mova
por um instante a mão e o fôlego
são no seu corpo algo que falta

trata-se de um buraco

a morte difícil de um hábito


Meus lábios também se partem no frio
e também os mastigo

Não precisa esperar comigo você diz
passar frio à toa
o ônibus vem logo
ou demora pouco
posso esperar sozinho

Eu sorrio
não sei dizer nada
não saio daqui
necessito
(como sua mão de um cigarro que se tire do maço
e se prenda entre os dedos)
ver você entrar no ônibus olhar ao redor sentar-se
ver você
ainda
enquanto desaparece




Cebolinha

I. Um relato de Cebolinha

O louco está louco

No meio da lua cheia
(a lesma de papel na lama)
o louco toma pastilhas valda




II. A amante de Cebolinha

Quando ele disse a ela
Você é minha selva
Ela respondeu
Sim
espero suas ordens




III. O jardim de Cebolinha

Não vou legar nenhuma flor




Dezesseis anos

O encontro entre as famílias
foi marcado
na churrascaria
para que os pais verdadeiros
conhecessem
o filho
roubado um dia depois
de nascido
outros pais
idade
nome

como foi chegar até aqui
digo o trânsito
esta cidade hoje em dia
o tempo não avisa mais
como
quando vai mudar
por favor
uma lâmina
apenas
a carne fica sempre presa
entre meus dentes


claro







sua falta
cavado um buraco
não deixou de ser
cavado um buraco
falta




não obrigada
leve daqui
estou satisfeita
leve este talho
foi como
morrer
bom
o almoço




eu me lembro do seu rosto




você me lembra
um dia
depois
do outro






Breve biografia:

Nasci em 1981 em Vila Velha, no Espírito Santo. Moro em São Paulo desde fevereiro de 1999. Estudei cinema na USP. Dirigi dois curtas-metragens e alguns vídeos, escrevi três peças de teatro, sempre em processo colaborativo (o texto sendo escrito ao longo dos ensaios). Tive dois poemas publicados na Inimigo Rumor 18. Fiz algumas letras para melodias dos outros (e descobri nisso uma alegria grande).



Poética:

“Visto. / Ouvido. // Anotado.” (Jacques Roubaud)

Coisa que se pode pegar com as mãos.

“(…) como a bola azul em suas mãos é a bola azul
em suas mãos e o verão é outra bola azul em suas mãos.” (Carlito Azevedo)


FABIANA FALEIROS



mencionada por:
Angélica Freitas

menciona a:
Angélica Freitas
Felipe Ribeiro
Vanessa Reis



poemas


Estação e Salvo
Boa tarde. Vocês podem todos aqui se sentar.
Vamos suplicar como funcionam as medidas.
O metrô é uma linha que vai e fica e é colorida.
Tanto é que no vagão já temos de antemão ela representada por bolinhas.
Por que vocês estão dentro do vagão. Só não vale dar a mão.
Tá bom. Assim, se posicionem. Para onde vocês vão?
Cuidado com o espaço entre. Agora entrem (mais de um).
Entrem. Entrem. Separados. En trem en trem. En trem en trem.
Entrem em si e em partes. Parem. Pa rem Par em Par em.
Isso, vocês precisam entrar e os olhares se cruzam.
Só não pode parecer como ontem. On tem On tem.
Mais de um, por favor, mais de um precisa participar.
Usuário na pista. Você pare de ler revista.
E você passe a se comportar.
Agora deu. Agora desce.

*

Nós, no raro café, sempre nos sentávamos numa mesa onde na qual existia
outra por baixo da mesma onde nos deitávamos e começávamos a conversar.
Muito embora houvesse entre a gente um cano que mantinha mesa de cima
pendente era nossa estratégia de me aproximar. Havia um buraco onde o café
passado a vácuo era colocado para nos banhar. O garçom já cansado servido
do café cheiroso na gente e eu nem dizia, ai tá muito quente, e as feridas nasceram
dormentes. Queres levantar? Nessa pergunta se decide passar açúcar e começa
a me coçar. Raspa este elemento acessório que faz parte de todo empório:
"Forneço gosto mas não sou a coisa em si. How do you know me?"
Se a minha brancura associada a espessura da tua pele te repele te repele.
Se queres ser um adoçante. Se queres atingir a forma que retorna sem ser
mero acompanhante. Passe café por mim.

*

Lá, no início da paulista tem:
uma estátua de um homem equilibrista
temuma empresa que cortou e cuidou da grama
e estancou
uma placa com seu nome
na pista

*



breve-bio/biblio
Nasci em PelotasRS, em 1980 e atualmente moro em São Paulo. Faço mestrado em
comunicação e semiótica na PUCSP. Minha pesquisa é sobre vigilância distribuída na cultura digital.
Os poemas enviados são do meu primeiro livro - no prelo - Ou Seja (Ediciones Cerro Colorado).
Escrevo aqui:
www.virandooazeite.blogspot.com




poetica
)Coloque pelos menos o que você não precisa numa mesa de apoio( Coloque os cotovelos sobre a mesa e abra parênteses para fora

menciona a:
(quem ainda não está presente)
Camila do Valle
Masé Lemos
Maurício Matos
Gabriela Nobre
Sebastião Edson Macedo




poemas


CINEMASCOPE

I

A VIDA SECRETA DE BARBARA STANWYCK

ninguém sabia
mas barbara era poeta e odiava o lirismo hipocondríaco
tinha paixão por carros conversíveis
e um namorado depressivo e maníaco
a moça estava cansada de seus óculos escuros
com eles o mundo era sempre noir
e ela
que não conseguia esperar
desejava compulsivamente
as novas lentes varilux

barbara não escrevia versos como quem joga xadrez
desprezava os assíndetos e os oximoros
e aprendia chinês

foi quando o sr. lin
– o professor de chinês que só falava mandarim –
denunciou a estupidez dos homens
e seus pensamentos em off
ela tomou um porre de vodka orloff
e decidiu abandonar hollywood

então armou um golpe fatal
com um quê de experimental

pagaria um piloto de prova
que já estava com o pé na cova
para capotar com o seu MP Lafer
ela receberia uma double indemnity
e viveria feliz em new york city

mas o plano não foi adiante
porque ela detestava destruir veículos
e raciocinava com perspicácia

barbara stanwyck achava que um automóvel tonitruante
era mais belo que a vitória de samotrácia




II

MARROCOS OU ALÉM

W. L. sempre chegava à noite, depois de ter matado baratas

ele precisava escrever o acúmulo viscoso dos devaneios noturnos, os vazios desproporcionais entre a realidade e o fora

sua mulher o beijava e o pó resplandecia na boca, ela desabotoava a blusa, o hálito entrelaçado aos odores da rua

era preciso matá-la

e o médico, um certo doutor B., abria portas janelas corredores oblíquos onde se morre aos poucos com o veneno agudo das lacraias

talvez ele devesse partir para Tanger, estremecer os ossos nos ruídos distantes em meio aos ávidos olhos mouriscos
ou permanecer de pé enquanto o veneno se misturava ao sangue

as palavras infestavam seus ouvidos, ele passava para o outro lado

alguém havia puxado um fio em alguma parte do universo e a trama do mundo se esgarçava

onde estaria sua clarck nova?

ele procurava

e sabia

sabia que o assassinato era uma alucinação na rotina, um espasmo entre as fibras da memória, uma contração nos molares

era preciso escrever ou permanecer para sempre em interzona



III

O NÚMERO TRANSCENDENTE

tudo se passou em chinatown
quando o cérebro esguichava a monocromática
tinta
e ele procurava a decifração do mundo
e os números
da bolsa

as entranhas expostas do computador
cuspiam uma álgebra difusa
confusa
de teclas e letras reluzentes
e uma pálpebra fina junto às outras membranas
congelava o tempo nos chips
de joalheria

depois vieram os rabinos
a cabala o sefer yetzirah
as perseguições casuísticas
a perfuração do hipotálamo
os anagramas convulsivos
as aptidões taumatúrgicas
e os jogos de azar

e ele
que amava insensatamente
os ângulos agudos
contemplava espirais segundo a razão áurea
nas folhas das árvores
na fumaça dos automóveis
na mistura de café com leite numa xícara
e esquecia arquimedes

por fim uma limpidez varava os espaços
tumultuosos
enquanto a transcendência do número brilhava
trivialmente
no sorriso da menina





BREVE BIO/BIBLIO:

Nasci em 1969 no Rio de Janeiro. Sou formada em psicologia, professora e doutoranda em literatura portuguesa. Pari alguns poemas publicados na revista Inimigo Rumor e na Zunái. Também estou prestes a parir uma menina.



POÉTICA:

Cinemascope: processo de filmagem com lentes especiais que deformam anamorficamente as imagens registradas em negativo de 35mm e as recompõem em cada cópia final, positiva, projetada em telas de grandes dimensões.

"O que eu pretendo fazer é distorcer o objeto até um nível que está muito além da aparência, mas, na distorção, voltar a um registro da aparência." (Francis Bacon)



Wednesday, November 22, 2006


MARCO DUTRA




mencionado por:
Heitor Ferraz
Caetano Gotardo

menciona a:
Juliana Rojas
Carla Kinzo
Vanessa Reis
Caetano Gotardo
Rafael Gomes
Paula Manzo
Lilian Aquino




Poemas:



máquina extraordinária

o jornal noticiou o lançamento do novo disco
de uma adorada cantora pop

o jornal revelou que, durante os seis anos em que esteve sumida,
ela não comprou nenhum sapato novo
nem ficou se espreguiçando por aí

“ainda tenho o costume de andar a pé, e a pé os caminhos são mais longos

vamos colocar minha ausência numa linha do tempo
e dividi-la em três fases

o recolhimento
eu me deitava e rolava no chão
chorando
e não recebia visitas

a calmaria
era a casa da praia
não muito longe daqui
eu não recebia visitas

a inspiração
eis que deus me devolveu as canções
e a única visita que recebi
que me quiseram fazer
nessa terceira fase
foi a dele”

cantora pop, você ainda acredita no suicídio?

“não, não mais”

e ainda não acredita em casamento?

“em casamentos passei a acreditar”

quando diz em sua canção
que foi estuprada aos nove anos
é a verdade?

“desde setembro de 84 que sonho
em encontrar uma pessoa
que não seja eu
e que não seja outra pessoa”
o jornal noticiou o retorno da cantora pop
com alguma ironia

“eu ainda choro e quase sempre é ao redor das dez da noite, e várias vezes me encontro andando pela praia quando estou na casa de praia, mas isso é o presente e eu não consigo dividir o presente em fases. vocês conseguem fazer isso? me parece muito complicado.”

o jornal noticiou
a pausa que a cantora pop fez
antes de continuar

“na canção eu digo que sou uma máquina extraordinária porque tudo que acontece eu consigo aproveitar, coisa boa, coisa má, tudo que me acontece eu uso. o meu terapeuta disse que essa é a melhor fase da minha vida, essa pela qual estou passando agora, mas o meu terapeuta, apesar de não ser eu, infelizmente é outra pessoa. prometi a ele que tudo ia ficar bem. mas as histórias precisam ser contadas ao contrário pra que os finais sejam felizes, e não se pode fazer isso por causa da linha do tempo. me parece muito complicado.”

estas últimas falas
o jornal não noticiou
por falta de espaço




13 de fevereiro

Hoje só me ocorreu

“O amor também
é como uma nectarina”

Não porque o sentimento
tenha qualquer coisa a ver
com a fruta

As duas palavras
boiaram juntas
e foram encontradas
à margem
como cadáveres

Amor

Nectarina







O convento abandona Maria

Um capitão com sete crianças

Uma casa enorme
e um capitão
com sete crianças

Uma baronesa
numa casa enorme
com sete crianças
e um capitão

Ontem mesmo eu rodopiava pelas colinas
E elas estavam vivas
Com o som da música
E eu não era uma governanta

Agora
até aquela mulher que me encara
sorrindo
e me oferece tomates
nesta feira em Salzburg
neste país que eu amo
acima de tudo
menos de Deus
Até dela e dos seus tomates
eu tenho medo

Mas não

Tenho medo é do capitão

Que
Por ter sete crianças
Sem contar a que nasceu morta
Deve gostar muito
De fazer sexo








Breve biografia:

Nasci em 1980. Estudei Cinema. Escrevi e dirigi os curtas “O lençol branco” (com Juliana Rojas) e “Concerto número três”, entre outros. Gosto de escrever e escrevo menos do que gostaria. Algo do pouco que foi terminado está no blog (
http://www.marcodutra.blogger.com.br/), o resto está espalhado ou perdido. Só me publicaram antes no colégio, num livro com as supostas melhores redações do ano.

Poética:
Como uma mesa num bar, num café, as pessoas ao redor.
LUÍZA MENDES FURIA



mencionada por:Angélica Freitas

menciona a:
(praticamente todos já indicados, fazer o quê? por ordem alfabética e sofrendo por ser injusta com muitos outros que também já estão neste blog):
Angélica Freitas
Carlos Machado
Donizete Galvão
Eunice Arruda
Ruy Proença
(os quais tive a felicidade de conhecer pessoalmente, e )
Claudia Roquette-Pinto

poemas:


SCHERZO

Num dia leve assim
é o pássaro que em mim baila
seu allegro, scherzando
celebrando a infinitude azul

Mas quando tudo se adensa
é a fera lenta que rasteja
as notas solitárias de um violoncelo
fremindo as guelras do silêncio.

***

VERÃO

Às vezes
é assim a manhã:
bolha de Tempo
que explode
incandescente.

Dói e queima
o dia todo.

O corpo
só se acalma
quando adere à pele
o cataplasma translúcido da noite.
(de Inventário da Solidão, ed. Giordano, 1998)

***
Enquanto o desespero
reverbera a dor
nas ondas do silêncio

no marulhar do vento
a noite vai e vem
regurgitando gritos
redondos e obesos
fora do tom.

Um bicho com medo
o coração.
Mas, no tambor das horas,
o susto da canção.
(de Incisões no Branco, livro inédito)

***
Breve biografia: Luíza Mendes Furia nasceu em 21 de novembro de 1961 em Caçapava (SP). Em 1978 publicou Madrugada e Outros Poemas e em 1999 lançou Inventário da Solidão (Ed. Giordano). Tem poemas em antologias e suplementos literários do Brasil e de Portugal e alguns livros ainda na gaveta, como o Incisões no Branco, ao qual pertence um dos poemas acima. Um comentário sobre seu trabalho consta do Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras, de Nelly Novaes Coelho (Escrituras, 2002). Tem um site (
http://br.geocities.yahoo.com/malufuria) e um blog (http://litera-mundi.blogspot.com). Seus poemas estão também nos sites www.germinaliteratura.com.br/erot_mai06_lmf.htm, www.algumapoesia.com.br/poesia2/poesianet168.htm e em alguns blogs. Radicada há 26 anos em São Paulo, é jornalista e tradutora. Atualmente, negocia a publicação de seu livro infantil O Escocês Que Tinha um Jardim de Poemas e de uma fotobiografia de Hilda Hilst.

***
Uma póetica: poesia é a mátria. E também uma religião. Uma forma, talvez, de encantar a morte. Não há como não responder a isso com um poema: “Escrever, talvez,/ para si mesmo/ para compreender os mistérios/ que em cada ser se acorrentam/ elo por elo// poço sem fundo/ poço sedento// talvez para o vento/ agradecendo a música// para que a morte/ seja mais intensa/ e menos dura// para não morrer/ feito uma pedra escura.” (Explicação, de Inventário da Solidão)

***

Thursday, November 16, 2006

O CARNAVAL DO ESCOLHAS COMEÇA JÁ


tem coisa nova por ai: um foro

-porque ninguém é de ninguém-

para todos explicarem o que acham

sobre a poesia brasileira contemporanea.

o que for.

poetas ou nao, leitores, quem quiser.

ai a dereita, gente, no começo do indice.

e desculpem a bagunça. coisas de pasar

o carnaval pra novembro. abraços, a.-


ninguen é de ninguem : 1 : foro :

o que você acha da situaçao da poesia no brasil?

fale, diga, escreva, minta, explique, psicosomatize, desabafe,

peça desculpas, taquigrafe, cante, grafique, expresse suas emoçoes,

jerarquize, rascunhe, confesse, incite, negue, jure, faça o que deva -

e deixe aqui sua opiniao sobre a poesia brasileira hoje. -




DANIELA RAMOS





mencionada por:
Virna Teixeira

menciona a:
Francieli Spohr

Anita Costa Malufe
Ana Rüsche

Roberto Romano
Cristian De Napoli
Pablo Araujo



poemas:



21/12
Hoje, acho,
provoquei um acidente.

Cruzamentos,

enquanto houver dados
suspensos
intensos
suspeitos pairando.



Balançou o fundo da rede

Júlia ficou com Nikos
Achei meio esquisito

O Surfista ama Shala Ball
Mas está em exílio astral

Mary Jane e Peter Parker
Não podem ficar juntos
sob hipótese nenhuma,
mas ela não casou com o
filho do Jameson.

Ao invés, al revés,
aparece, ainda com o
Vestido de Noiva(tragédia em três atos)
realidade, delírio, lembrança,
na casa de Parker.

O beija. Ele ouve uma
sirene, precisa sair,
combater o crime,
não pode, não pode,
mas pode, só um
pouquinho.


08/08
A vida sentimental da lagarta: ela se apaixona enquanto está no casulo. Depois, o oráculo avisa e não há hesitação: partir não envolve arrependimento. Preciso tirar os pesos da carteira. Quando ele voltar eu aviso, mas não vou ao cinema. Isso falha. Muita gente. É São Paulo. Muitos têm compromisso, e ainda mais isso. A pedra atrás da orelha.


breve bio/biblio:

Come bebe dorme levanta, vende a alma e o corpo como professora de Novas Tecnologias da Comunicação para sobreviver, viajar e jantar fora em São Paulo. Torce pelo Sport Club Internacional de Porto Alegre. Tem poemas publicados na Inimigo Rumor 18 e na plaquete “Poetas jovens no papel rascunho”, organizada por Virna Teixeira, e traduções de Henri Michaux, por quem morre de amores, na Zunai (http://www.revistazunai.com.br/traducoes/henri_michaux.htm).



poetica:

Poesia é como capoeira, que é tudo que se come, dizia Mestre Pastinha. Ler. Escrever. Henri Michaux. O resto é puro capitalismo.

Friday, November 03, 2006

LUCI COLLIN


mencionada por:
Sergio Cohn
Adelaide do Julinho
Fernando Koproski
Estrela Leminski

menciona a
Sylvio Back
Alice Ruiz
Silvana Guimarães
Sônia Regis
Luiz Roberto Guedes
Renato Rezende
Sergio Cohn



poemas



FIGURANTE



os papéis menores
as falas insignificantes
aceito
até os silêncios
que me forem dados
expressar

com a transparência das deixas
nem tanto o que
represento
mas sim o que representa
a minha presença
nesse
palco




DOR MESMO


dor mesmo nem tanto a incisiva
- surpresa da faca na pele –
intensa dor mas reversível
ferida que enfim cicatriza

dor mesmo é aquela miúda
dor sempre que não envelhece
lateja esta dor – a mais funda –
de um ontem que nunca se esquece








SCHRIFTSTELLER
(o livro de fotos)


assustador um homem que inventa
outros homens

o que vêem seus olhos
abertos ou fechados
noite ou dia

assustador um nome que ao ser pronunciado
faz existir as frases que aguardam na estante

Nabokov caça borboletas
com uma rede adequada e pisará sobre flores
Estaremos numa primavera?
Beckett mira qualquer botão da camisa
no quarto de negra totalidade
Estaremos loucos?
Char segura uma bengala
ou uma espada
Estaremos mortos?
Kerouac vê cadeiras, teto, tapete,
cortina e um despertador automático
Estaremos prontos?
Borges se você sair desta enorme janela
não vinga a eternidade
Estaremos rindo?
Genet sentado no chão desconsidera
a última moda em lenços de couro
Estaremos quites?

E você escritorzinho sem fotografia
precisa de um blazer axadrezado
com mangas puídas
um aluguel vencido
um cabelo sem corte
um olhar indecifrável
um cachorro latindo
uma dor aguda nas costas
ou no braço
ou de dente
um copo vazio
outro copo
ônibus barulhentos passando
a manhã inteira
a tarde inteira
a noite inteira
passando
uma solidão que semelha a brasa
comendo o cigarro
(por falta de imagem mais nobre)

precisa abraçar uma enorme estátua
e pensar numa palavra não inventada

Estaremos salvos?







bio/biblio

Luci Collin – (Curitiba, 1964) Graduada no Curso Superior de Piano, em Letras e no Curso Superior de Percussão Clássica. Doutora em Letras pela USP com tese sobre Gertrude Stein. Recebeu premiações em concursos de literatura no Brasil e nos EUA. Representou o Brasil no Projeto Literário da EXPO 2000 em Hannover. Participa de antologias nacionais, com destaque para Geração 90 – Os Transgressores (Boitempo:2002) e 25 Mulheres que estão Fazendo a Nova Literatura Brasileira (Record:2004), e internacionais (EUA, Alemanha, Uruguai e Argentina). Leciona Literaturas de Língua Inglesa e Tradução Literária na UFPR.
Livros publicados – Poesia: Estarrecer (1984), Espelhar (1991), Esvazio (1991), Ondas e Azuis (1992), Poesia Reunida (1996), Todo Implícito (1998); contos: Lição Invisível (1997), Precioso Impreciso (2001), Inescritos (2004). Publicações como tradutora: Re-habitar - Ensaios e poemas, de Gary Snyder (Azougue: 2005) e Etnopoesia no Milênio, de Jerome Rothenberg (Azougue: 2006).






POÉTICA:

poesia é a sonora frase/ que em si o silêncio profundo/ segundo em que se percebe/ que a ordem rasa do mundo/ não é sequer parecida/ coma ordem maior/ da vida

Thursday, November 02, 2006

ANDRÉA CATROPA


mencionada por:Fabiano Calixto


menciona a:(seguindo a linha de “quem não vi no blog”):
Afonso Henriques Neto
Ana Rüsche
Celso Borges
Eduardo Lacerda
Elisa Andrade BuzzoLilian Aquino
Lúcia Santos





poemas:

o sem-nome
vermelho-laca com grandes brasas por detrás dos olhos,
os cães ouviram o assobio,
o homem ouviu – lhe disseram é o que anda sem os pés,
o que se esgueira por entre as copas de árvore e não
é cobra
– e virá

encarnado é texto, oração, pensamento,

desencarnado é sangue, suor, frio na espinha, a ameaça
da terra, o chão.
sob as ondas

vamos a um lago
ou cachoeira imaginária
um pouco de torpor é preciso
talvez lá
nos espere um outro reflexo
estranho como deve ser o rosto
de um afogado









musa

fantasma do texto boca da palavra sexo de mulher que fala
serpente que engole a própria cauda
e no branco espalha o gozo
lágrima da tara







Pequena bio: Nasci em São Paulo, em 1974. Estou concluindo Mestrado em Teoria Literária. Edito o jornal de literatura contemporânea O Casulo. Os poemas enviados pertencem ao livro inédito Linha d´água.



Poética: Propor uma poética é quase tão complicado quanto não propor. Quase. A polifonia que nos leva à beira da surdez pode induzir ao silêncio por desorientação, ou por amor à higiene sonora. Fiquemos com esta última. Mas não seria isto consentir com o calar? Entremos no coro, então. Nem que seja para desafinar. A poesia é o que não deveria ser. Mas é. Sem que isso signifique comprazer-se com a gratuidade. A poesia é tradição e revolta, Eros e Thanatos, Dioniso e Apolo. E por isso, onde o homem é, ela precisa ser.